A saga do Padre Anchieta, o missionário religioso que há quatro séculos enfrentou tempestades, onça e até canibais para catequizar os índios brasileiros (Por Liane Camargo de Almeida Alves)
“Revista Terra, Agosto de 1997, nº 8, edição 64, páginas 31 a 35.”
Violentas tempestades sacudiram sua embarcação na altura de Abrolhos e o barco, com as velas rotas e os mastros partidos, encalhou perto do litoral do Espírito Santo. A nau que o acompanhava perdeu-se nas vagas e foi com seus destroços que a tripulação pôde consertar os estragos e retomar a viagem. Mas, antes que isso ocorresse, o pânico tomou conta dos passageiros – na praia poderiam estar esperando os índios tamoios, conhecidos antropófagos. Destemido, Anchieta desceu a terra junto com os marinheiros, à procura de mantimentos. Foi seu primeiro contato com os índios. Não se sabe muito bem o que aconteceu, já que os biógrafos não entram em detalhes, mas é certo que ninguém no barco foi molestado.
Depois do sobressalto, ao desembarcar, o pesadelo apenas começava. Para chegar do mar à aldeia de Piratininga, cerca de mil metros acima, em um planalto, José tinha de percorrer o que foi chamado por seus biógrafos como “o pior caminho do mundo”: uma picada em meio à Mata Atlântica, que Anchieta fez muitas vezes a pé, pois cavalgar danificava sua coluna. Era verão, época de chuvas, calor e, principalmente, mosquitos.
Sua visão das terras de São Vicente e Piratininga foi relatada em carta aos seus superiores. Dizia ele das onças: “Essas (malhadas ou pintadas) encontram-se em qualquer parte (...) São boas para comer, o que fizemos algumas vezes”. Dos jacarés: “Também há lagartos nos rios, que se chamam jacarés, de extraordinário tamanho, de modo a poder engolir um homem”. Ou sobre as jararacas: “São muito comuns nos campos, bosques e até nas próprias casas, nas quais as encontramos tantas vezes”. José fala ainda dos mosquitos que, “sugando o sangue, dão terríveis ferroadas”, das poderosas tempestades tropicais e das inundações de dezembro.
Apesar dos transtornos, a luxuriante beleza da Serra do Mar deve tê-lo impressionado, pois escreveu, anos depois, um tratado sobre as espécies animais e vegetais que poderiam ser encontradas no Brasil, numa iniciativa pouco comum entre os jesuítas. Mas seu tema principal forma mesmo os índios:
“Toda essa costa marítima, de Pernambuco até além de São Vicente, é habitada por índios que, sem exceção, comem carne humana; nisso sentem tanto prazer e doçura que freqüentemente percorrem mais de 300 milhas quando vão à guerra. E, se cativarem quatro ou cinco dos inimigos, regressam com grandes vozearias, festas e copiosíssimos vinhos que fabricam com raízes, e os comem de maneira que não perdem nem sequer a menor unha”.
Um mês depois de sua chegada, em 25 de janeiro de 1554, foi inaugurado o colégio jesuíta da Vila de Piratininga, data hoje comemorada como fundação de São Paulo. Escreveu Anchieta: “Celebramos em paupérrima e estreitíssima casinha a primeira missa, no dia da conversão do apóstolo São Paulo, e por isso dedicamos a ele nossa casa”. Ali moravam treze jesuítas que tinham a seu cargo duas aldeias de índios com quase mil pessoas. O local tinha apenas 14 passos de comprimento e 10 de largura, incluindo escola, despensa, cozinha, refeitório e dormitório. Em resumo, era minúsculo. Época de austeridade tanto no espaço quanto nas vestes, as batinas de Anchieta eram feitas com as velas imprestáveis dos navios.
Humilde, ele vivia num espaço minúsculo, dormia só 4 a 5 horas por dia e vestia batinas feitas com as velas imprestáveis dos navios.
“Se grandes são as manchas de nossa alma aí está a enchente do teu amor para inundar-nos.. Eis que se abre a entrada do asilo virginal: descansa, ó minha alma piedosa e humildemente! Aí se correrá o véu cuja glória imensa gera em ti fulgor inigualável..” José Anchieta
continua na próxima postagem...
Enviado por e-mail por Alex A. Borges
“Revista Terra, Agosto de 1997, nº 8, edição 64, páginas 31 a 35.”
Violentas tempestades sacudiram sua embarcação na altura de Abrolhos e o barco, com as velas rotas e os mastros partidos, encalhou perto do litoral do Espírito Santo. A nau que o acompanhava perdeu-se nas vagas e foi com seus destroços que a tripulação pôde consertar os estragos e retomar a viagem. Mas, antes que isso ocorresse, o pânico tomou conta dos passageiros – na praia poderiam estar esperando os índios tamoios, conhecidos antropófagos. Destemido, Anchieta desceu a terra junto com os marinheiros, à procura de mantimentos. Foi seu primeiro contato com os índios. Não se sabe muito bem o que aconteceu, já que os biógrafos não entram em detalhes, mas é certo que ninguém no barco foi molestado.
Depois do sobressalto, ao desembarcar, o pesadelo apenas começava. Para chegar do mar à aldeia de Piratininga, cerca de mil metros acima, em um planalto, José tinha de percorrer o que foi chamado por seus biógrafos como “o pior caminho do mundo”: uma picada em meio à Mata Atlântica, que Anchieta fez muitas vezes a pé, pois cavalgar danificava sua coluna. Era verão, época de chuvas, calor e, principalmente, mosquitos.
Sua visão das terras de São Vicente e Piratininga foi relatada em carta aos seus superiores. Dizia ele das onças: “Essas (malhadas ou pintadas) encontram-se em qualquer parte (...) São boas para comer, o que fizemos algumas vezes”. Dos jacarés: “Também há lagartos nos rios, que se chamam jacarés, de extraordinário tamanho, de modo a poder engolir um homem”. Ou sobre as jararacas: “São muito comuns nos campos, bosques e até nas próprias casas, nas quais as encontramos tantas vezes”. José fala ainda dos mosquitos que, “sugando o sangue, dão terríveis ferroadas”, das poderosas tempestades tropicais e das inundações de dezembro.
Apesar dos transtornos, a luxuriante beleza da Serra do Mar deve tê-lo impressionado, pois escreveu, anos depois, um tratado sobre as espécies animais e vegetais que poderiam ser encontradas no Brasil, numa iniciativa pouco comum entre os jesuítas. Mas seu tema principal forma mesmo os índios:
“Toda essa costa marítima, de Pernambuco até além de São Vicente, é habitada por índios que, sem exceção, comem carne humana; nisso sentem tanto prazer e doçura que freqüentemente percorrem mais de 300 milhas quando vão à guerra. E, se cativarem quatro ou cinco dos inimigos, regressam com grandes vozearias, festas e copiosíssimos vinhos que fabricam com raízes, e os comem de maneira que não perdem nem sequer a menor unha”.
Um mês depois de sua chegada, em 25 de janeiro de 1554, foi inaugurado o colégio jesuíta da Vila de Piratininga, data hoje comemorada como fundação de São Paulo. Escreveu Anchieta: “Celebramos em paupérrima e estreitíssima casinha a primeira missa, no dia da conversão do apóstolo São Paulo, e por isso dedicamos a ele nossa casa”. Ali moravam treze jesuítas que tinham a seu cargo duas aldeias de índios com quase mil pessoas. O local tinha apenas 14 passos de comprimento e 10 de largura, incluindo escola, despensa, cozinha, refeitório e dormitório. Em resumo, era minúsculo. Época de austeridade tanto no espaço quanto nas vestes, as batinas de Anchieta eram feitas com as velas imprestáveis dos navios.
Humilde, ele vivia num espaço minúsculo, dormia só 4 a 5 horas por dia e vestia batinas feitas com as velas imprestáveis dos navios.
“Se grandes são as manchas de nossa alma aí está a enchente do teu amor para inundar-nos.. Eis que se abre a entrada do asilo virginal: descansa, ó minha alma piedosa e humildemente! Aí se correrá o véu cuja glória imensa gera em ti fulgor inigualável..” José Anchieta
continua na próxima postagem...
Enviado por e-mail por Alex A. Borges
Que lindo poder ler o que ele escrevia. Adorei! Parabéns por publicar essa saga!
ResponderExcluir