Ler fatos sobre São Paulo antigo é muito
gratificante. Muitos casos interessantes encontramos nos relacionamentos
sociais de uma época de se foi - infelizmente. Pergunto-me se algum dia a
doçura de viver voltará no trato social. Na busca por literatura do gênero,
encontrei um livro muito interessante: a vida de Dom Duarte Leopoldo e Silva –
1º Arcebispo de São Paulo (Edições Catanduva – ano de 1967 – Monsenhor Victor
Rodrigues de Assis).
Vejamos um fato pitoresco da vida do pai de Dom
Duarte Leopoldo e Silva.
Dom Duarte Leopoldo e Silva, primeiro dos 10 filhos que tiveram o casal Bernardo Leopoldo e Silva e Da. Ana Rosa Marcondes Leopoldo e Silva, nasceu na então pequena, mas histórica cidade de Taubaté, a 4 de abril de 1867.
Seu pai era português, muito honrado, tinha
conhecimentos suficientes para ser bom chefe de família.
Veio para o Brasil, mocinho ainda, e exercia a
profissão de alfaiate. Qual a profissão que em Portugal ocupavam os pais do Sr.
Bernardo não é fácil saber. Não estiveram, porém, alheios aos acontecimentos do
Brasil, na época da independência, no ano de 1.822. Era o Sr. Bernardo filho de
inglês, pois seu avô paterno, sendo partidário do Príncipe D. Miguel de
Bragança, quando este fugiu para a Inglaterra, acompanharam-no muitos dos seus
fiéis vassalos. Na Inglaterra nasceu, pois o pai do Sr. Bernardo que se chamava
Duarte.
Não se sabe a data em que chegou ao Brasil o Sr.
Bernardo; parece que chegou bem mocinho fixando residência em Taubaté. Já pela
honradez de seu caráter, já pela sua perícia profissional, nunca lhe faltaram
encomendas das pessoas principais da localidade. Casara-se com D. Ana Rosa
Marcondes, natural de Pindamonhangaba.
Posteriormente, o Sr. Bernardo estabeleceu-se com
uma casa comercial em Taubaté mesmo. Esta casa, para satisfazer às
circunstâncias do tempo e do ambiente deveria ter artigos de loja e de empório;
o Sr. Arcebispo aludia, muitas vezes as "bolachas de bordo" e aos
artigos femininos usados pelas senhoras e que seu pai vendia. Para frisar bem o
caráter de seu progenitor, incapaz de uma deslealdade, contava S. Excia, o
seguinte fato:
"As senhoras da época tinham como traje de gala certos chales
europeus". O Sr. Bernardo, atendendo pedidos, encomendou tais chales na
Europa. Chegando os artigos, mandou um fino chale à sua freguesa. Mas, a dama
julgou-se ofendida com a apresentação da encomenda, ou pelo desalinho do volume, ou por capricho feminino,
devolvendo-a ao Sr. Bernardo com enorme reprimenda, pois, "aquilo não era
chale que lhe enviasse, mas sim para uma criada". Embaraçado o honesto
negociante, percebeu todo o tamanho da vaidade feminina e quis dar-lhe boa
lição. Mandou pedir desculpas à ilustre freguesa, afirmando-lhe que já lhe
fizera nova encomenda, esperando, agora, ser-lhe em tudo agradável. Passados
tempos, o Sr. Bernardo tomou um daqueles mesmos chales, envolveu-os em alguns
papéis de seda; colocando-o em apresentável caixa de papelão, e no preço marcou
uma cifra três vezes mais caro do que na primeira vez e o enviou à vaidosa
senhora. Inútil é dizer que a vaidosa senhora julgou-se muito honrada com tal
chale, que sem a caixa; sem os papéis de seda; com o preço três vezes inferior,
só serviria para uma criada... E acrescentava o Sr. Arcebispo: e o velho dava
boas risadas ao contar isto, confessando que tal não faria uma segunda vez, por
saber que isto não era justo.”
(Obra citada, páginas 15 e 16)